segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Disputa de canais abertos,aumento da base de TV por assinatura computadores e banda larga provocam mudança no perfil do consumidor de mídia eletrônica


Uma chuva de números de audiência aparece na mídia diariamente. Parte da estratégia de marketing na guerra entre os canais de TV aberta, os números divulgados não ajudam a chegar a uma conclusão sobre o hábito de consumo de televisão. Quedas e picos pontuais de audiência mostram apenas que os controles remotos dos telespectadores funcionam, mas não como são explorados em longo prazo.
TELA VIVA conversou com dirigentes de emissoras de televisão, TV por assinatura e portais e reuniu pesquisas de comportamento e consumo de mídias eletrônicas, buscando levantar para onde, efetivamente, vai a audiência brasileira. Trata-se de um esforço para apontar não os vencedores da disputa no dia a dia, mas como se comporta o novo telespectador e como as mídias serão assimiladas e consumidas no futuro.
A primeira conclusão: há uma mudança no hábito do consumidor de mídia, e sobre isso não restam dúvidas. Segunda conclusão: a televisão aberta e generalista mantém uma vantagem enorme sobre qualquer outra mídia, já que é a que tem maior penetração e conseguiu consolidar o hábito de ver TV ao longo de mais de meio século. Contudo, o público está aprendendo a mudar de canal e a buscar conteúdo, seja entretenimento ou informação, em outras fontes e dispositivos. E esta é a terceira conclusão a que se chega ao olhar conjuntamente para os muitos dados disponíveis.
Segundo dados da pesquisa Accenture “Televison in Transition”, três em cada dez entrevistados assistem algum conteúdo em dispositivos alternativos, como PCs e celulares, a cada semana. A pesquisa foi feita com 7 mil entrevistados em oito países: França, Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, México e Brasil.
O estudo da Accenture mostra que a TV linear não está morrendo, mas que o consumo não-linear de mídia está crescendo e despertando o interesse do consumidor.
A mudança, aponta a Accenture, é liderada por consumidores de menos de 35 anos de idade, especialmente os com menos de 25 anos. Além de ser o grupo que se mostra mais insatisfeito com as opções da televisão, são os que se mostram mais dispostos a ver conteúdo em dispositivos alternativos, e que tendem a preferir o conteúdo sob demanda. O estudo mostra que, quanto mais novo é o consumidor, mais está insatisfeito com a TV ao vivo e mais propenso a assimilar o conteúdo por outros dispositivos (ver gráfico "Nível de satisfação com a TV linear por idade").
A pesquisa mostra ainda que as pessoas não estão mais escolhendo os canais de sua preferência, mas sim os conteúdos de que mais gostam. E estes conteúdos são buscados em vários canais, em múltiplas plataformas de distribuição.
No Brasil, o país da TV aberta, a reviravolta no consumo das mídias eletrônicas levou ao aumento do tempo dedicado a assistir televisão. Conforme dados do Ibope Telereport PNT (das 6h00 às 24h00), de sete anos para cá, o brasileiro tem passado quase 30 minutos a mais por dia em frente à televisão. Em 2001, o tempo médio dedicado à TV era de 4h15. De janeiro a junho de 2008, o tempo médio foi de 4h42 (veja gráfico "Consumo médio anual de TV aberta"). Os telespectadores não abandonaram, portanto, a mídia mais tradicional. Mas isso não diminui o impacto nas mudanças nos hábitos do brasileiro. Pelo contrário, a audiência na TV brasileira passa por um momento muito peculiar. Com os investimentos da Record em telenovelas, pela primeira vez a Globo enfrenta um adversário capaz não apenas de abalar sua supremacia com picos pontuais de audiência, mas de forçar uma queda contínua de audiência e de share. Além disso, há um segundo “canal” que vem crescendo em taxas constantes no Ibope. É o que o instituo chama de outros aparelhos e cujo share no tempo diário médio de exposição (Ibope Media Workstation - Painel Nacional de TV) saltou de 2,73, em 2005, para 6,45 em 2008 (em uma prévia até o mês de setembro). A categoria é composta, além do DVD, por video games, VCRs, DVRs, media centers etc. A própria pirataria da mídia DVD é apontada como um dos motivos para o crescimento deste concorrente dos canais de TV.
Mas um outro inimigo é o que mais impacta na audiência da Globo. Em 2005, a Record começou a investir na produção de telenovelas, com a compra de um complexo de estúdios batizado RecNov, no Rio de Janeiro. Mirando o segundo lugar, tradicionalmente do SBT, a Record conseguiu abalar a Globo também, embora esta ainda mantenha audiência média superior à do SBT e da Record somadas. Conforme mostra o Ibope Media Report, o share da Record na audiência nacional cresceu de 7,8% em 2004, quando ainda não produzia novelas, para 14,8% em 2007, quase alcançando a participação de 15,3% do SBT. Mas quem apresentou a maior queda neste período não foi a emissora de Silvio Santos. O share da Globo neste período caiu de 55,7% para 45,5%. No horário nobre, tanto a subida da Record quanto a queda da Globo são ainda mais acentuadas.

Segundo fontes da Globo, a queda não é tão grave quando se analisa um período mais longo, já que em 2004 todas as novelas da emissora apresentaram audiências muito altas. Realmente, trata-se do melhor ano da Globo, que vinha em crescimento, chegando 56%. Contudo, não há como ignorar que a queda começou quando chegou um concorrente em telenovelas. E os investimentos da concorrência no formato que sempre foi especialidade da Globo continuam. A Record anunciou recentemente investimentos para ampliar o complexo RecNov.
Além das telenovelas, a Record, assim como a Band, embora em menor escala, vem investindo fortemente em jornalismo, visando a conquista não apenas da audiência, mas de credibilidade, e, em conseqüência, participação maior no bolo publicitário. Se o investimento no ganho de audiência e credibilidade não surte efeito rapidamente é, para fontes da Record, porque o mercado publicitário precisa de tempo, já que a estratégia de compra de mídia é definida para períodos longos.
Para a Globo, mudar a direção dos investimentos é muito mais complicado do que pensam os concorrentes. Para a emissora do Jardim Botânico, a medição por faixas horárias é um parâmetro usado apenas pelas TVs. Para o mercado publicitário, o mais importante seria o target, e a Globo alega ter 26 ou 27 das 30 maiores audiências em cada target. Aí está, segundo a Globo, o motivo de a emissora ter 50% da audiência e 75% do bolo publicitário. A divisão do bolo mudaria apenas se a Globo passasse a ter metade ou menos dos programas de maior audiência por perfil de público. A exceção, admite a emissora, está apenas no público infantil, dominado pelo SBT.


TV paga

No Congresso ABTA, realizado em agosto deste ano, programadores apontaram queda na audiência dos canais pagos a partir de setembro de 2006. Entre as causas apontadas estavam a digitalização das redes, que inibiu a pirataria de pontos extras, e a Internet. O fato é que o tempo médio de audiência caiu dez minutos entre 2006 e 2007, para pouco menos de 2h10. O alcance (porcentagem de indivíduos de um “target” que estiveram expostos por pelo menos um minuto a um determinado programa ou faixa horária) também caiu de 56% em 2006 para 49% em 2007. São quedas preocupantes para o setor.

As discussões sobre os motivos são acaloradas. Nem mesmo o Ibope conseguiu precisar o que levou à queda da audiência na TV por assinatura.
O instituto de pesquisas mede a audiência de todos os televisores das residências monitoradas dentro da base. Com a digitalização das redes de cabo, as TVs que recebiam o sinal diretamente na TV, sem uso de set-top boxes, deixaram de exibir os canais pagos. Portanto, apenas um dos televisores da casa continuou com o serviço pago. Para a maioria dos programadores, a audiência deve crescer nos próximos anos, com a oferta dos pontos adicionais por parte dos operadores.
O outro lado tem defensores de peso. A Abril encabeça o grupo dos que apostam na Internet como a competidora que vem tirando o público da TV por assinatura. Para o grupo de mídia, a queda é acentuada demais para ser causada apenas pelo cancelamento dos pontos adicionais. Seria como se parte dos moradores da casa ignorasse que uma das TVs ainda recebe o sinal por assinatura, principalmente se for levado em conta que nem todos os moradores compartilham os mesmos horários para assistir televisão.
Para a Abril, o problema da TV por assinatura é o conteúdo, em sua maioria estrangeiro e, na visão do grupo, sem afinidade com o público brasileiro. Contudo, este não é o único argumento para a teoria de que a Internet afeta a TV por assinatura. Vale destacar que as operadoras de TV vêm conquistando novos assinantes, tanto para o serviço de TV quanto de banda larga. Esta nova base poderia ser parte da razão da perda de audiência. Isto porque estes assinantes novos trariam consigo os hábitos de consumo de conteúdo da TV aberta e teriam agora dois novos serviços disputando sua atenção (veja gráfico "Tempo médio diário de exposição").
O Ibope apontou à ABTA outros fatores, todos não-conclusivos: a queda de audiência pode ser atribuída à popularização dos DVDs, tempo perdido no trânsito ou aumento de permanência no trabalho. É evidente que estes fatores afetam também a TV aberta, o que explica os esforços para ter um padrão de TV digital que contemplasse a mobilidade.
A pesquisa internacional da Accenture, que aponta o alto percentual de entrevistados que assistem a algum conteúdo em dispositivos alternativos, como PCs e celulares, e que inclui o Brasil, também funciona como argumento para os que concordam com o ponto de vista da Abril.


Não-linear

Nos Estados Unidos, este desejo por consumir o que quiser e quando quiser tem se refletido no uso de DVRs. Larry Gerbrandt, consultor da Media Valuation Partners, apresentou no Congresso TV 2.0, realizado em setembro por TELA VIVA, uma pesquisa da Nielsen que aponta que o americano médio gasta 5h50 no mês assistindo à televisão fora da grade. Comparando maio de 2007 com o mesmo mês em 2008, houve um aumento de 56% no tempo gasto pelos americanos assistindo televisão através de DVRs, programação on demand e outras formas não lineares.
No Brasil a penetração do DVR não é expressiva, o que pode explicar porque o usuário está buscando mais conteúdo na Internet. Por aqui, o PC é o dispositivo mais difundido e cada vez mais acessível e conectado.
Segundo Gerbrandt, o mercado de vídeo online deve ser o meio de crescimento mais rápido em 2009. Os vídeos online proporcionaram receitas globais (publicidade e acordos de licenciamento) em 2007 de US$ 1,65 bilhão, diz. A projeção é que este número chegue a US$ 9,96 bilhões em 2012.
A apresentação do consultor da Media Valuation Partners aponta que o tipo de conteúdo mais assistido na Internet via streaming é o conteúdo gerado pelo usuário, que representa 49%. Outros 9% são de televisão broadcast, 1% de conteúdo de cinema e 41% de outros (notícias, música, tutoriais etc). Segundo Alex Banks, gerente para a América Latina da empresa de pesquisas Comscore, também no Congresso TV 2.0, dos 37 países elencados, o Brasil fica em 14º em média de visitas a sites multimídia e em 32º em tempo de permanência nestes sites. Contudo, é o sétimo na lista dos que mais acessam o YouTube. Segundo Banks, o volume de visitantes únicos ao portal de vídeo do Google no Brasil cresceu aproximadamente 55% em um ano, saltando de 5,8 milhões de acessos em junho de 2007, para 9,1 milhões em junho de 2008. A Globo.com (que tem o forte reforço do conteúdo da TV Globo), no mesmo período, cresceu, segundo Banks, 35%, chegando a 5,9 milhões de acessos em junho de 2008. No mês de julho deste ano, bateu 8,3 milhões de acessos únicos. A Globo admite que a sua estratégia com novas mídias passa por manter a audiência na TV tradicional. Ou seja, é uma estratégia de preservação de público.
Banks apresentou um balanço da audiência dos sites no mercado norte-americano, apostando que o mesmo deve se repetir no Brasil com o crescimento da banda larga. O executivo apontou que 20% dos internautas são heavy users do vídeo, enquanto 30% é médio e metade faz pouco uso do vídeo online.
Banks aposta que o cenário norte-americano pode se repetir no Brasil com a difusão da banda larga. Mas quem apostar que o sucesso do vídeo online por aqui será maior, tem poucas chances de errar. O executivo da Comscore apresentou dados da NBC sobre a exibição dos jogos olímpicos em seu portal de vídeo na Internet. O portal teve cerca de 1,5 milhão de streamings diários, ou, 28,5 milhões de streamings no período de 19 dias.No Brasil, onde a banda larga ainda tem baixa penetração, o número foi igual. As Olimpíadas transmitidas pelo Terra tiveram 28,5 milhões de vídeos assistidos por mais de 15 milhões de pessoas, mais que o dobro dos 6 milhões que costumavam passar pelo Terra TV antes dos jogos olímpicos. O pico de audiência foi durante as duas horas do jogo de futebol Brasil e Argentina, que teve 1,2 milhão de vídeos vistos. Ainda antes dos jogos, Paulo Castro, diretor geral do Terra no país, disse a TELA VIVA que o investimento se justificava não apenas com o retorno obtido com a venda de patrocínio na cobertura do evento. O portal esperava que o evento esportivo trouxesse para o Terra TV um novo público e ajudasse a solidificar o hábito de consumir vídeo online.

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